terça-feira, 1 de julho de 2008

Começo.

23:30. Noite fria e chuvosa de uma quarta-feira comum para todos, menos para mim. Luzes apagadas, carros dentro de garagens, ruas desertas e eu aqui, voltando para casa acompanhada somente por minha própria sombra. Aliás, nem por ela, que no meio do caminho me abandonou após o blecaute noturno das lâmpadas públicas dos postes. Sim, era quase meia-noite e eu estava sozinha.
Andando pelo caminho que me levaria até meu modesto aposento apelidado por todos de lar, vou recordando meu dia de sorte. Acordei com um telefonema esperando que fosse o despertador diário, mas era uma ligação dizendo que minha avó havia falecido. Saí correndo com meu carro para dar o último adeus a ela antes do enterro, e quando cheguei ao hospital, encontrei meu namorado curtindo a fase boa de sua vida com uma fulana qualquer. Nesse clima alegre no qual me via, acabei esquecendo meu emprego. Despedi-me com classe da pessoa que mais amava no mundo e fui trabalhar. A partir daí até aproximadamente nove horas da noite, fiquei imprimindo milhares de panfletos na gráfica a qual paga(va) meu salário, já que no fim do expediente, fui informada sobre a falência da empresa. Sem receber um tostão, saí em busca de meu carro e descobri que ele havia sido roubado. “Muito bem campeã, agora sim você estava pronta para voltar para casa e consagrar sua vitória”.
Olho para meu relógio. Meia-noite e eu acabo de pôr os pés em minha sala. O sofá rasgado e o tapete ralo no qual me sento nesse instante parecem me encarar de uma forma intensa, como se eu não desse a eles a devida atenção e o menor carinho. Estavam certos. Eu nunca gostei mesmo de ficar nesse aposento. Só passava por aqui pois possuo apenas uma porta de entrada na casa e não tinha como eu desviar de caminho. Mas se antes eu desprezava este lugar, agora me assusto com ele. Fico com vergonha de mim e vou em direção a meu quarto. Lá sim, me reconheço como gente pertencente a este mundo.
Estou em meu dormitório. Puxo todo o ar dali para meus pulmões e sinto um alívio momentâneo. Paro e penso: alívio de quê? Da morte de minha amada avó, da traição do imbecil a quem pude chamar de namorado ou dos olhares fixantes e terroristas dos dois simples e abandonados objetos que compõem minha sala? Não sei e essa dúvida é que me incomoda. Tento procurar uma resposta nos outros itens daqui. Primeiro, analiso o ambiente por inteiro. Percebo que minhas roupas e sapatos estão espalhados pelo chão, sem separação de sujos ou limpos. Começo a vê-los de uma outra forma, como se estivessem pedindo socorro dessa confusão na qual eu os coloquei e nunca reparei. Fico angustiada, pois passo a enxergar que quem precisa de ajuda sou eu! Atravesso essa mistura em direção à minha cama, na tentativa de esquecer o que acabo de descobrir. Está vazia, como sempre esteve. Entro silenciosamente em desespero. Nunca tinha percebido que meu travesseiro só tinha o meu perfume, que meu mural só tinha as minhas fotos, que minha suíte só tinha uma escova de dentes... Enfim, que eu sempre fui totalmente sozinha. E é neste lugar, onde fico cada vez mais confusa e atordoada com a vidinha medíocre que levo, que eu me reconheço como gente pertencente a este mundo? Não!
Saio correndo pelo ambiente a que todos, menos eu, chamam de lar. Estou fugindo de quê? Estou tentando encontrar o quê? Tudo e ao mesmo tempo nada. O alívio o qual senti em meu quarto fora a pior sensação que já tive, pois me fez ver que nem meu dormitório, nem as roupas e sapatos abandonados, nem a cama intacta que tenho são capazes de trazer de volta minha identidade. Talvez, ela jamais existiu, porém eu acreditava tê-la. Agora, não acredito em mais nada. Tudo que ocorreu desde o óbito de minha avó até o roubo do carro não passam perto da dor que age em meu corpo. Como num “gran-finale”, me deito naquele mesmo sofá velho e gasto que sempre desprezei, mas que neste momento é o único lugar onde me sinto à vontade para repousar (se o conseguir). Encontro de dois ninguéns. Meu medo foi embora, dando espaço para a aflição tomar conta de mim de vez. Mas nem ela me quer, e quem chega é o sono.
Durmo (querendo nunca mais acordar) e logo pela manhã, meu telefone toca para recomeçar tudo outra vez.

2 comentários:

André Sollitto disse...

Amor, como vc conseguiu escrever isso? O texto está ótimo, mas o clima está muito triste! Quero acreditar que vc escreveu isso antes da gente ficar, né?
Te amo! Vc é foda!
Beijão!

Rweva disse...

"Fico com vergonha de mim e vou em direção a meu quarto."


"Encontro de dois ninguéns."

MARI!
É A RAFFA (ruiva)
caraca, não sabia que você escrevia tão bem assim... esse texto tá muito bom mesmo, tanto como em enredo quanto em estrutura!
Cara, parabéns mesmo. Vou ler o resto aqui!
beijão!