quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Um novo amor.

"Tudo o que você sempre quis
Era alguém que olhasse verdadeiramente para você"


É incrível! Até a televisão sabia disso e eu, cega, nunca tinha percebido. Como isso machuca! Agora sim, percebo que sempre fui infeliz. Sinto uma vontade imensa de chorar. Resolvo sair da loja para não chamar atenção ou despertar dó em alguém. Por favor, tudo menos dó!
Já na rua, um lugar público, eu tenho permissão para chorar. Afinal, também sou filha de Deus. A primeira lágrima cai, mas eu rapidamente a enxugo. Por quê? Minha consciência apareceu. “Se eu descobri a verdadeira fonte da minha cápsula de sofrimento, por que então deveria eu me desesperar? Pelo contrário, eu deveria comemorar, pois estou reaprendendo novamente a enxergar a vida, a minha medíocre vida.”
Um sorriso perde a vergonha de se mostrar e desenha uma imagem alegre em meu rosto. Sim, estou feliz! Descobri que não estou doente e que não preciso de ajuda alguma para viver.
Saio correndo novamente. Agora, porém, não estou fugindo de nada. Contra o vento, busco minha satisfação pessoal, minha felicidade. Sem querer, meu vestido fica preso no gancho de um poste e rasga quase toda a lateral direita. Não me importo. Dou uma grande gargalhada e sigo em frente. As pessoas na rua apontam e olham para mim. Novamente, não me importo. Tenho até dó delas, por seguirem um padrãozinho de vida que eu não sigo mais. Nunca mais. Estou finalmente livre!
De repente, páro. Estou em frente a uma vitrine de um pet shop. Eu vejo meu reflexo e entro em pânico. “Descobri a verdade, mas ainda não tenho ninguém que olhe verdadeiramente para mim!”. Começo a chorar e a soluçar. O que vou fazer? Quando falam por aí que nenhum homem é uma ilha, estão errados. O que eu sou? Não tenho pais, não tenho parentes, não tenho amigos, não tenho sequer um cachorro... Um cachorro! É isso. Se ninguém me quer, certamente um cachorro irá querer. Ele não tem escolha. Vai me amar com a convivência.

Amar! Há quanto tempo não falo e muito menos ouço isso de alguém...

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Colírio.

Letra em português.
Os pequenos detalhes lhe entregam:
Água cinzenta
Através das janelas
Escadas acima
Chuva fria
Como um oceano
Por todos os lados
Não vai estender a mão para mim, vai?
Eu não significo nada pra você
Os pequenos detalhes lhe entregam
E agora não haverá nenhum erro
As barreiras estão se quebrando
Tudo o que você sempre quis
Era alguém que olhasse verdadeiramente para você
E mesmo a seis palmos
Sob a água
Eu o faço
A esperança decai
Gerações desaparecem
Arrastadas para o longe
Tanto quanto uma nação que simplesmente olha
Não vai estender a mão para mim, vai?
Eu não significo nada pra você
Os pequenos detalhes lhe entregam
E agora não haverá nenhum erro
As barreiras estão se quebrando
Tudo o que você sempre quis
Era alguém que olhasse verdadeiramente para você
E mesmo a seis palmos
Sob a água
Eu o faço
Tudo o que você sempre quis
Era alguém que olhasse verdadeiramente para você
E mesmo a seis palmos
Sob o chão agora
Eu o faço
Os pequenos detalhes lhe entregam.

Chave.

Certo. Já que finalmente encontrei a passagem para o plano em que sempre desejei estar, mas que nunca tive coragem para avançar ou óculos para enxergar, vou reaprender a andar. Meu gasto pijama é trocado por um longo vestido vermelho. Nada mais. Descalça, vou em direção à porta que sempre me separou do que eu gostaria de poder chamar de lar. De súbito, inspiro uma rajada de ar poluído pertencente à fábrica ao lado da casa onde devo dormir, mas que neste momento é muito mais puro do que qualquer um respirado antes. Revela-se aqui uma nova mulher!
Cruzo a rua. Entre assobios e elogios, buzinas e motores, propagandas e gritarias, encontro o desafio de continuar sendo normal. Diferente seria (e era exatamente o que eu queria) se eu não tivesse escutado nada. Corro, fugindo dos zumbidos rotineiros, para enfim alcançar o silêncio atípico, porém desejado. Estou novamente fugindo de algo. Para que mudei de plano, saí do lugar onde me encontrava até, literalmente, acordar, inovei? Não, eu havia feito tudo isso para, enfim, encontrar a liberdade e destruir as algemas que tanto me machucaram até então.
Paro. Puxo todo o ar que posso para conseguir me acalmar. Sucesso. Continuo minha caminhada tranqüila, até o instante em que uma música, com ritmo maquinário incomum para a época, se desenvolve na televisão de uma loja. Ela chama de imediato minha atenção por ter essa característica. Entro no local e vejo que a letra da canção estava em cima do aparelho que a transmitia. Esse fora o ponto crucial, porém não percebido por mim logo de início, para traduzir minha essência, meu problema, minha libertação.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Abrindo os olhos.

Três, dois, um. Meu despertador toca para iniciar mais um dia comum, como se, no fim das contas, eu não soubesse que essa rotina não me levaria a lugar algum. Conheço a verdade, mas finjo desconhecê-la. Melhor assim. Torno-me, diariamente, em outra coisa alienada da sociedade por escolha própria.
Desperta, dirijo-me à porta de meu quarto, que sempre esteve aberta para um ser imaginário entrar. Sinto um vazio momentâneo que prefiro ignorar antes que ele atinja o estágio da solidão extrema. Não, não quero ficar com a mesma sensação de desespero do dia anterior. Sim, eu prefiro continuar acreditando num possível rumo para minha diária rotina indolor. Sofrer pra que? Eu já havia sofrido demais com a morte de minha avó e com a traição de meu ex-(imbecil)-namorado. Agora, eu estou em outro plano. Talvez, o da verdadeira felicidade.
Desde sempre, aprendi que, para ser feliz, era necessário que a mágoa fosse substituída em nossas mentes pelas idéias alegres que cada pessoa tem em seu cérebro. Bobagem! Quem é que disse que todo mundo comporta na cabeça imagens bonitinhas e divertidas? Quem é que declarou que vivemos, portanto, num paraíso de recordações? Eu não me encaixo nessa regra. Agora, posso dizer, felizmente! Durante toda minha ridícula vida, acreditei que, somente pelo fato de ter um parente de sangue e registro perto de mim, eu já era feliz. Acreditei que, somente pelo fato de ter um homem que eu amava ao meu lado, eu já era feliz. Eu botava fé em tudo isso, porque foi exatamente esse tipo de comportamento que eu aprendi ser o correto a seguir. Neste momento, descubro que esse tipo de comportamento era o mais ignorante a se seguir. Minha avó sempre me criou da forma mais indiferente possível, enquanto meu antigo namorado caçava “ninfetinhas” por aí, pois, para ele, eu não servia nem mais pra conversa. Tudo acontecendo na minha cara sem eu conseguir ver, sem eu poder conhecer a realidade, por causa de uma triste e falsa felicidade que me torturava sem dor, aos poucos, até o dia em que a sua máscara iria cair. E ela caiu (da pior forma possível, mas caiu). Só ontem tive o prazer de perceber que a verdade estava diante de meus olhos, e eu não a conseguia enxergar por cumprir um padrão (moral!) de atitudes, as quais se podem chamar de educação. Hoje, acordo não só para vida cotidiana como também psicológica, e vejo que o melhor a se fazer é simplesmente esquecer. Esquecer das pessoas e dos problemas que atormentaram meu interior e que agora explodem para atormentar meu exterior. Não! Aprendi a verdadeira lição na raça, e não quero repetir a alienação mentirosa que aplicava até ontem à noite. Acordei com o objetivo de fazer a diferença, mas, pra isso, necessito de um tipo diferente de alienação, que seja benéfica a curto ou longo prazo. Não tenho pressa em arrumar o resto de vida que ainda tenho. Antes, não conhecia a verdade. Agora, sei e finjo não saber. Sabedoria que poucos têm, mas que captei ainda a tempo.

Começo.

23:30. Noite fria e chuvosa de uma quarta-feira comum para todos, menos para mim. Luzes apagadas, carros dentro de garagens, ruas desertas e eu aqui, voltando para casa acompanhada somente por minha própria sombra. Aliás, nem por ela, que no meio do caminho me abandonou após o blecaute noturno das lâmpadas públicas dos postes. Sim, era quase meia-noite e eu estava sozinha.
Andando pelo caminho que me levaria até meu modesto aposento apelidado por todos de lar, vou recordando meu dia de sorte. Acordei com um telefonema esperando que fosse o despertador diário, mas era uma ligação dizendo que minha avó havia falecido. Saí correndo com meu carro para dar o último adeus a ela antes do enterro, e quando cheguei ao hospital, encontrei meu namorado curtindo a fase boa de sua vida com uma fulana qualquer. Nesse clima alegre no qual me via, acabei esquecendo meu emprego. Despedi-me com classe da pessoa que mais amava no mundo e fui trabalhar. A partir daí até aproximadamente nove horas da noite, fiquei imprimindo milhares de panfletos na gráfica a qual paga(va) meu salário, já que no fim do expediente, fui informada sobre a falência da empresa. Sem receber um tostão, saí em busca de meu carro e descobri que ele havia sido roubado. “Muito bem campeã, agora sim você estava pronta para voltar para casa e consagrar sua vitória”.
Olho para meu relógio. Meia-noite e eu acabo de pôr os pés em minha sala. O sofá rasgado e o tapete ralo no qual me sento nesse instante parecem me encarar de uma forma intensa, como se eu não desse a eles a devida atenção e o menor carinho. Estavam certos. Eu nunca gostei mesmo de ficar nesse aposento. Só passava por aqui pois possuo apenas uma porta de entrada na casa e não tinha como eu desviar de caminho. Mas se antes eu desprezava este lugar, agora me assusto com ele. Fico com vergonha de mim e vou em direção a meu quarto. Lá sim, me reconheço como gente pertencente a este mundo.
Estou em meu dormitório. Puxo todo o ar dali para meus pulmões e sinto um alívio momentâneo. Paro e penso: alívio de quê? Da morte de minha amada avó, da traição do imbecil a quem pude chamar de namorado ou dos olhares fixantes e terroristas dos dois simples e abandonados objetos que compõem minha sala? Não sei e essa dúvida é que me incomoda. Tento procurar uma resposta nos outros itens daqui. Primeiro, analiso o ambiente por inteiro. Percebo que minhas roupas e sapatos estão espalhados pelo chão, sem separação de sujos ou limpos. Começo a vê-los de uma outra forma, como se estivessem pedindo socorro dessa confusão na qual eu os coloquei e nunca reparei. Fico angustiada, pois passo a enxergar que quem precisa de ajuda sou eu! Atravesso essa mistura em direção à minha cama, na tentativa de esquecer o que acabo de descobrir. Está vazia, como sempre esteve. Entro silenciosamente em desespero. Nunca tinha percebido que meu travesseiro só tinha o meu perfume, que meu mural só tinha as minhas fotos, que minha suíte só tinha uma escova de dentes... Enfim, que eu sempre fui totalmente sozinha. E é neste lugar, onde fico cada vez mais confusa e atordoada com a vidinha medíocre que levo, que eu me reconheço como gente pertencente a este mundo? Não!
Saio correndo pelo ambiente a que todos, menos eu, chamam de lar. Estou fugindo de quê? Estou tentando encontrar o quê? Tudo e ao mesmo tempo nada. O alívio o qual senti em meu quarto fora a pior sensação que já tive, pois me fez ver que nem meu dormitório, nem as roupas e sapatos abandonados, nem a cama intacta que tenho são capazes de trazer de volta minha identidade. Talvez, ela jamais existiu, porém eu acreditava tê-la. Agora, não acredito em mais nada. Tudo que ocorreu desde o óbito de minha avó até o roubo do carro não passam perto da dor que age em meu corpo. Como num “gran-finale”, me deito naquele mesmo sofá velho e gasto que sempre desprezei, mas que neste momento é o único lugar onde me sinto à vontade para repousar (se o conseguir). Encontro de dois ninguéns. Meu medo foi embora, dando espaço para a aflição tomar conta de mim de vez. Mas nem ela me quer, e quem chega é o sono.
Durmo (querendo nunca mais acordar) e logo pela manhã, meu telefone toca para recomeçar tudo outra vez.